Sobre áudio-descrição
Leia Abaixo Sobre Áudio-descrição, Benefício, Técnica, Direito e Aplicação
Leia também sobre a Correta Grafia de Áudio-descrição
II Encontro Nacional de Áudio-descrição em Estudo (Enades 2016)
Data: 02 a 07 de maio
Local: Maceió - AL
Áudio-descrição, alguns Conceitos e Definições
1. “A áudio-descrição é um recurso de acessibilidade que permite que as pessoas com deficiência visual possam assistir e entender melhor filmes, peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas e outros, ouvindo o que pode ser visto. É a arte de transformar aquilo que é visto no que é ouvido, o que abre muitas janelas para o mundo para as pessoas com deficiência visual.” (...) No Brasil, a primeira peça comercial a contar com o recurso de audiodescrição foi “O Andaime”, no Teatro Vivo, em março 2007.” (Lívia Motta (http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=22027)
2. "Ora, mesmo que freqüentem um curso, os audiodescritores não se “criam” tão rapidamente, é preciso muita prática. E audiodescritor é quem escreve o roteiro, principalmente.” Eliana P. C. Franco, 2008, “Áudiodescrição e Tradução: Acessibilidade audiovisual” (http://audiodescricao.wordpress.com)
3. “O áudio-descritor é a ponte entre a imagem inacessível à pessoa com deficiência visual e a informação acessível pela audição ou leitura das palavras que o tradutor visual usou para traduzir o evento visual. É aquele profissional que produz o roteiro áudio-descritivo ou aquele que faz a tradução visual simultânea de um dado evento. É, pois, o responsável pela Áudio-descrição, isto é, pelo Roteiro Áudio-descritivo e pela Locução da Tradução Visual simultânea ou gravada, quando, no caso desta última, é ele que a faz. E essa responsabilidade não poderia ser de terceiros, visto que a áudio-descrição é um trabalho intelectual do tradutor visual, e, como tal, é livre expressão do trabalho do áudio-descritor (Lima, 2011:7; Lima e Tavares, 2010).” Apud Lima, 2013 (Revista Brasileira de Tradução Visual, www.rbtv.associadosdainclusao.com.br).
4. "Definida como um modo de tradução audiovisual e intersemiótica no campo dos estudos de tradução e como um recurso de acessibilidade assistiva no campo das tecnologias assistivas, a audiodescrição permite a revelação da imagem de uma obra audiovisual ou visual por meio de sua descrição em áudio que complementa os outros sons originalmente construídos para a obra, como o diálogo, a música e os efeitos sonoros." (Eliana Franco, 2013)
5. "Diferentemente da legenda fechada para surdos, a tradução audiovisual para cegos e pessoas de baixa visão, ou audiodescrição (AD), ainda não foi introduzida no Brasil. A AD pode ser definida como a técnica utilizada para tornar o teatro, o cinema, a TV, bem como obras de arte visuais, acessíveis aos cegos. Trata-se de uma narração adicional que, no caso do cinema, da TV e do teatro, descreve a ação, a linguagem corporal, as expressões faciais, os cenários, os figurinos. Seria a tradução das imagens. A tradução é colocada entre os diálogos e não interfere nos efeitos musicais e sonoros." (Soraya Alves, s/d)
6. “A audiodescrição (AD) é uma modalidade de tradução audiovisual (TAV) que se constitui em um recurso de acessibilidade desenvolvido para atender as necessidades de pessoas com deficiência visual. A AD de filmes consiste na descrição das informações que apreendemos visualmente e que não estão contidas nos diálogos, nem na trilha sonora, tornando-se assim acessível também para quem não enxerga. A AD pode ser chamada de tradução com base na definição de Jakobson (1995), que reconhece três tipos de tradução: a interlinguística (entre duas línguas diferentes), a intralinguística (dentro da mesma língua) e a intersemiótica (entre meios semióticos diferentes, do visual para o verbal e do verbal para o visual). A AD, por se tratar da tradução de imagens em palavras, seria um exemplo do terceiro tipo apresentado pelo autor (JAKOBSON, 1995, p. 64-65).” (Vera Lúcia Santiago, 2011, s/d)
7. A áudio-descrição é um gênero tradutório semiótico que traduz/exprime os eventos visuais em palavras, as quais devem, com mesma magnitude e qualidade imagética, eliciar na mente de quem recebe a áudio-descrição (o usuário final da A-D), as imagens que aqueles eventos eliciaram na mente de quem os traduziu, isto é, na mente do áudio-descritor.
Para que seja áudio-descrição, a tradução visual deve visar ao empoderamento do cliente/usuário da áudio-descrição na apreciação, entendimento ou visualização dos eventos visuais traduzidos, de maneira honesta e sem a inferência, condescendência ou paternalismo do tradutor visual, sem a subestimação, generalização ou outra forma de barreira atitudinal do áudio-descritor para com seu usuário.
Em suma, a áudio-descrição traduz os eventos visuais em palavras, as quais podem aparecer na forma de:
• palavras visuais (em tinta com tipo ampliado ou em fonte computadorizada que poderá ser lida com software ampliador de tela ou sintetizador de voz);
• palavras hápticas (escritas na palma da mão, geralmente de pessoas surdocegas, ou escritas em Braille para ser lidas em suporte eletrônico ou em suporte tradicional);
• palavras oralizadas (geralmente apresentadas na forma de voz humana gravada, ou, ainda, simultaneamente falada e lida hapticamente por meio da técnica do Tadoma, técnica de leitura vibro-háptica usada por pessoas surdocegas);
• palavras oralizadas (com voz sintetizada, principalmente usada em computadores e celulares, em áudio-descrições de material didático);
• palavras oralizadas (na voz humana do áudio-descritor que traduz simultaneamente o evento visual). Francisco Lima, 2013.
8- A áudio-descrição no ambiente educacional
Há um grande interesse da comunidade escolar em relação à revolução digital na educação. As escolas estão a utilizar cada vez mais de tecnologias emergentes e downloads dos materiais educacionais.
Há, também, uma tendência crescente no sentido de uso de comunidades educacionais online para professores que compartilham ideias de aula e materiais de desenvolvimento profissional. Muito desse material é entregue via quadros interativos e escolas de todo os setores educacionais estão fazendo uso dessa a tecnologia.
Assim, a sala de aula é cada vez mais visual, particularmente no que diz respeito ao uso de meios eletrônicos. Os professores estão fazendo uso de downloads para seus materiais de ensino, estão acessando webcasts, podcasts, programas de TV e DVDs.
Onde é que a áudio-descrição se encaixam nesse cenário?
Os benefícios da áudio-descrição no ambiente educacional são numerosos. Os princípios que sustentam estas vantagens se referem ao acesso à educação e igualdade para todos os estudantes .
Em primeiro lugar a áudio-descrição ajuda a fornecer acesso equitativo aos materiais de apoio curricular para os estudantes que têm baixa visão ou são cegas, as pessoas com deficiência de leitura, como a dislexia, pessoas com daltonismo, e outros com dificuldade de aprendizagem e com deficiência física.
É também de conhecimento que a prestação de áudio-descrição pode auxiliar na aquisição de vocabulário da língua e habilidades de leitura, através de um intercâmbio entre o uso da voz e os sons e imagens relevantes na tela, para criar significado.
O uso de áudio-descrição fornece uma "imagem" mais abrangente e global de mídia visual para os alunos e aumenta e facilita a compreensão.
A áudio-descrição ajuda a preencher a lacuna para os alunos em uma sala de aula cada vez mais visual.
A oferta de acessibilidade deste tipo ajuda a reduzir a sensação de isolamento dos alunos e aumenta a independência.
O aluno que tem acesso à áudio-descrição é capaz de acessar alguns materiais educativos, em alguns casos, por meio de podcasts, quando são disponíveis.
Disponível em: http://www.mediaaccess.org.au/education/audio-description-education
Traduzido pelo sistema eletrônico do Google e brevemente adaptado por Francisco Lima
Extraído de: http://www.lerparaver.com/lpv/audio-descricao-ambiente-educacional
Algumas Palavras Sobre Áudio-descrição
Aspetos legais e Formais
Francisco Lima
Aspectos legais
Não é possível falar de áudio-descrição, sem primeiro falar dos direitos que a sustentam. E falar desses direitos, é dizer de nossa Constituição, Carta maior que devemos todos, do mais simples cidadão, aos mais letrados dos brasileiros cumprir, inclusive nossos excelsos Defensores Públicos, Promotores e Procuradores, nossos doutos magistrados e Desembargadores, versados Ministros dos Tribunais Superiores e da Suprema Corte, coisa que infelizmente nem sempre vimos ocorrer.
Um dos direitos sustentáculos da acessibilidade comunicacional, área em que se insere a áudio-descrição é o da não discriminação por motivo de deficiência, mormente porque negar o direito à acessibilidade comunicacional (de forma plena, independente e segura) é negar a dignidade à pessoa humana com deficiência. E isso proíbe nossa Carta Magna:
TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
A despeito de nossa Constituição ser clara quanto à não discriminação (diferenciação que nega direito das pessoas com deficiência), quando a informação é o foco da questão, a pessoa com deficiência ainda é discriminada, qualitativa e quantitativamente, visto que não tem o acesso garantido em lei à informação, seja porque os sistemas são inadequados, inacessíveis, seja porque as informações não são oferecidas de maneira completa, com igualdade de acesso ao seu conteúdo e forma. Exemplo disso, é quando um advogado com deficiência pretende ter acesso a um documento e este está digitalizado como imagem, no sistema digital da Justiça; exemplo disso é quando um estudante quer ter acesso a um documentário, a uma aula ou palestra, mas estes estão em vídeo, sem áudio-descrição.
Nesses casos e em incontáveis outros, a pessoa com deficiência é negada do direito à informação, total ou parcialmente, quando não lhe está disponível a tradução visual dos elementos imagéticos nesses suportes ou meios de comunicação.
Regulamentando a proibição que a Constituição de 1998 faz à discriminação no acesso à informação, visando ao tratamento igualitário das pessoas ao acesso aos meios e sistemas de informação e reconhecendo a necessidade de que, para o acesso à informação, as pessoas com deficiência têm direitos próprios, a LEI Nº 12.527/2011 vem regulamentar o previsto em nossa Carta Maior e determinar o cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, Decreto Legislativo 186/08 e o Decreto Presidencial 6949/09, em particular, no seu artigo 9, o qual trata das condições de acessibilidade comunicacional, com igualdade de condições e de oportunidade para as pessoas com deficiência.
LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.
Dentre os principais artigos desta Lei, os quais esteiam o direito à informação (neste texto tratada como informação acessível, portanto, com todos os meios e sistemas físicos e de comunicação, seja na internet, na televisão, nos jornais, em revistas, entre outros, apresentados por meio de programas televisivos, tais como novelas e programas de entrevista, ou cinematográficos, como filmes, documentários etc., para a acessibilidade das pessoas com deficiência), podemos destacar o dever do Estado e a determinação dos dispositivos legais que ele deve cumprir para que o direito da pessoa com deficiência seja efetivamente respeitado. Assim, é que a referida LEI Nº 12.527/2011, expressa em seu Artigo 5º:
Art. 5o É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.
Certamente, a agilidade e a clareza da informação exigida na Lei, considerando a pessoa com deficiência, implica em ter acesso à informação de modo que aquelas pessoas possam fazer uso independente e seguro dos sistemas de informação e acesso aos espaços físicos em que as informações estão mantidas, conforme determinado pela Lei Federal 10.098/00.
Em consonância com esse entendimento, reza o artigo 8º da LEI Nº 12.527/2011:
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.
§ 2o Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).
§ 3o Os sítios de que trata o § 2o deverão, na forma de regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos:
VIII - adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade de conteúdo para pessoas com deficiência, nos termos do art. 17 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e do art. 9o da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008.
Vejamos o que dizem a Lei e o Decreto citados:
LEI No 10.098, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000.
Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.
capítulo I
disposições gerais
Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.
Art. 2o Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:
I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:
d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa;
VI – ajuda técnica: qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possibilite o acesso e o uso de meio físico.
Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação. Regulamento
Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento.
Art. 20. O Poder Público promoverá a supressão de barreiras urbanísticas, arquitetônicas, de transporte e de comunicação, mediante ajudas técnicas.
Sem muita dificuldade, percebemos que o legislador envidou esforços na direção de cumprir o ditame Constitucional, em sua essência mais profunda, visando, ao máximo, impedir as barreiras na comunicação, apontando para a eliminação de obstáculos na comunicação, inclusive orientando para o fato de que as ajudas técnicas são um caminho na supressão das barreiras comunicacionais.
Assim, a Lei Federal 10.098/00 determina o apoio técnico que elimine barreiras comunicacionais e de acesso à informação, conforme se previu na Carta Maior deste País, mas que, ainda hoje, as pessoas com deficiência não veem ser adotado, quando essa ajuda técnica é a áudio-descrição.
Pelo contrário, em negativa grosseira dos preceitos Constitucionais e infraconstitucionais a áudio-descrição tem, em muitos casos, e por muitos operadores do direito, da educação e da cultura, entre outros, sido negada.
Em países em que os direitos humanos são bem mais do que discursos políticos e as leis bem mais que letras mortas nas Cartas Constitucionais, em países em que a Corte Máxima da Federação age pelo cumprimento da Constituição do País, e não obra por interesses de grupos privados ou de poder econômico, a acessibilidade física, a acessibilidade comunicacional e as barreiras atitudinais têm recebido a devida atenção, tendo por parte da Corte, atuação digna e firme na construção de uma Nação em que as pessoas com deficiência venham ser tratadas com dignidade e com igualdade de condições e oportunidade – tal não temos visto no Brasil.
E foi com esse espírito que a Lei 1098/00 foi regulamentada: DECRETO Nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004.
Regulamenta as Leis 10.048, de 8 de novembro e 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.
Art. 23. Os teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, casas de espetáculos, salas de conferências e similares reservarão, pelo menos, dois por cento da lotação do estabelecimento para pessoas em cadeira de rodas, distribuídos pelo recinto em locais diversos, de boa visibilidade, próximos aos corredores, devidamente sinalizados, evitando-se áreas segregadas de público e a obstrução das saídas, em conformidade com as normas técnicas de acessibilidade da ABNT.
§ 1o Nas edificações previstas no caput, é obrigatória, ainda, a destinação de dois por cento dos assentos para acomodação de pessoas portadoras de deficiência visual e de pessoas com mobilidade reduzida, incluindo obesos, em locais de boa recepção de mensagens sonoras, devendo todos ser devidamente sinalizados e estar de acordo com os padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT.
§ 2o No caso de não haver comprovada procura pelos assentos reservados, estes poderão excepcionalmente ser ocupados por pessoas que não sejam portadoras de deficiência ou que não tenham mobilidade reduzida.
§ 3o Os espaços e assentos a que se refere este artigo deverão situar-se em locais que garantam a acomodação de, no mínimo, um acompanhante da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.
§ 4o Nos locais referidos no caput, haverá, obrigatoriamente, rotas de fuga e saídas de emergência acessíveis, conforme padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT, a fim de permitir a saída segura de pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, em caso de emergência.
§ 5o As áreas de acesso aos artistas, tais como coxias e camarins, também devem ser acessíveis a pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
§ 6o Para obtenção do financiamento de que trata o inciso III do art. 2o, as salas de espetáculo deverão dispor de sistema de sonorização assistida para pessoas portadoras de deficiência auditiva, de meios eletrônicos que permitam o acompanhamento por meio de legendas em tempo real ou de disposições especiais para a presença física de intérprete de LIBRAS e de guias-intérpretes, com a projeção em tela da imagem do intérprete de LIBRAS sempre que a distância não permitir sua visualização direta.
§ 7o O sistema de sonorização assistida a que se refere o § 6o será sinalizado por meio do pictograma aprovado pela Lei no 8.160, de 8 de janeiro de 1991.
§ 8o As edificações de uso público e de uso coletivo referidas no caput, já existentes, têm, respectivamente, prazo de trinta e quarenta e oito meses, a contar da data de publicação deste Decreto, para garantir a acessibilidade de que trata o caput e os §§ 1o a 5o.
Art. 24. Os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários.
§ 1o Para a concessão de autorização de funcionamento, de abertura ou renovação de curso pelo Poder Público, o estabelecimento de ensino deverá comprovar que:
I - está cumprindo as regras de acessibilidade arquitetônica, urbanística e na comunicação e informação previstas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na legislação específica ou neste Decreto;
II - coloca à disposição de professores, alunos, servidores e empregados portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida ajudas técnicas que permitam o acesso às atividades escolares e administrativas em igualdade de condições com as demais pessoas; e
III - seu ordenamento interno contém normas sobre o tratamento a ser dispensado a professores, alunos, servidores e empregados portadores de deficiência, com o objetivo de coibir e reprimir qualquer tipo de discriminação, bem como as respectivas sanções pelo descumprimento dessas normas.
§ 2o As edificações de uso público e de uso coletivo referidas no caput, já existentes, têm, respectivamente, prazo de trinta e quarenta e oito meses, a contar da data de publicação deste Decreto, para garantir a acessibilidade de que trata este artigo.
Se nos artigos acima citados, não estivesse claro que a acessibilidade comunicacional é uma preocupação do legislador, de modo a garantir aos cidadãos com deficiência a acessibilidade à informação, conforme dita a Constituição Brasileira, nos artigos seguintes, essa clareza é legalmente irrefutável:
Art. 57. A Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República editará, no prazo de doze meses a contar da data da publicação deste Decreto, normas complementares disciplinando a utilização dos sistemas de acesso à informação referidos no § 2o do art. 53, na publicidade governamental e nos pronunciamentos oficiais transmitidos por meio dos serviços de radiodifusão de sons e imagens.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput e observadas as condições técnicas, os pronunciamentos oficiais do Presidente da República serão acompanhados, obrigatoriamente, no prazo de seis meses a partir da publicação deste Decreto, de sistema de acessibilidade mediante janela com intérprete de LIBRAS.
Art. 58. O Poder Público adotará mecanismos de incentivo para tornar disponíveis em meio magnético, em formato de texto, as obras publicadas no País.
§ 1o A partir de seis meses da edição deste Decreto, a indústria de medicamentos deve disponibilizar, mediante solicitação, exemplares das bulas dos medicamentos em meio magnético, braile ou em fonte ampliada.
§ 2o A partir de seis meses da edição deste Decreto, os fabricantes de equipamentos eletroeletrônicos e mecânicos de uso doméstico devem disponibilizar, mediante solicitação, exemplares dos manuais de instrução em meio magnético, braile ou em fonte ampliada.
O que dizer, contudo, a respeito da áudio-descrição? Certo que é uma ajuda técnica que amplia o acesso à informação e constitui um recurso de acessibilidade comunicacional.
O Decreto 5.296/04, embora utilizando terminologia inadequada, já que chama a áudio-descrição de descrição e narração em voz de cenas e imagens” (termo que talvez tenha dado origem aos termos alhures utilizados no contexto da áudio-descrição “audiodescritor-narrador” e “descrição de imagens estáticas”), determina a áudio-descrição e, como vimos, diz do apoio que o Estado deve dar ao implemento dela, da pesquisa nessa área e na formação de pessoal capacitado na acessibilidade comunicacional. Então vejamos:
Art. 53. Os procedimentos a serem observados para implementação do plano de medidas técnicas previstos no art. 19 da Lei no 10.098, de 2000., serão regulamentados, em norma complementar, pelo Ministério das Comunicações. (Redação dada pelo Decreto nº 5.645, de 2005)
§ 1o O processo de regulamentação de que trata o caput deverá atender ao disposto no art. 31 da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
§ 2o A regulamentação de que trata o caput deverá prever a utilização, entre outros, dos seguintes sistemas de reprodução das mensagens veiculadas para as pessoas portadoras de deficiência auditiva e visual:
I - a subtitulação por meio de legenda oculta;
II - a janela com intérprete de LIBRAS; e
III - a descrição e narração em voz de cenas e imagens.
Art. 59. O Poder Público apoiará preferencialmente os congressos, seminários, oficinas e demais eventos científico-culturais que ofereçam, mediante solicitação, apoios humanos às pessoas com deficiência auditiva e visual, tais como tradutores e intérpretes de LIBRAS, ledores, guias-intérpretes, ou tecnologias de informação e comunicação, tais como a transcrição eletrônica simultânea.
Não bastasse a clareza solar com que o Decreto 5.296/04 trata o direito à acessibilidade comunicacional como meio de acesso à informação, sem discriminação por razão de deficiência e com igualdade de condições e de oportunidades, assim defendendo, promovendo e determinando a implementação da acessibilidade comunicacional, inclusive por meio de ajudas técnicas, a Constituição Brasileira recebeu, em 2009, um reforço legal de incomensurável valor, uma emenda que tornou parte de nossa Carta Maior, um dos maiores documentos de direitos humanos de todos os tempos, Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de cujos ditames extraímos:
DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009.
Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
Considerando que os atos internacionais em apreço entraram em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008;
DECRETA:
Art. 1o A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, apensos por cópia ao presente Decreto, serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém.
Preâmbulo
Os Estados Partes da presente Convenção,
c) Reafirmando a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação,
e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas,
h) Reconhecendo também que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano,
n) Reconhecendo a importância, para as pessoas com deficiência, de sua autonomia e independência individuais, inclusive da liberdade para fazer as próprias escolhas,
o) Considerando que as pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de participar ativamente das decisões relativas a programas e políticas, inclusive aos que lhes dizem respeito diretamente,
v) Reconhecendo a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais,
w) Conscientes de que a pessoa tem deveres para com outras pessoas e para com a comunidade a que pertence e que, portanto, tem a responsabilidade de esforçar-se para a promoção e a observância dos direitos reconhecidos na Carta Internacional dos Direitos Humanos,
y) Convencidos de que uma convenção internacional geral e integral para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência prestará significativa contribuição para corrigir as profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência e para promover sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos,
Acordaram o seguinte:
Artigo 1
Propósito
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Artigo 2
Definições
Para os propósitos da presente Convenção:
“Comunicação” abrange as línguas, a visualização de textos, o braille, a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis;
“Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;
Artigo 3
Princípios gerais
Os princípios da presente Convenção são:
a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;
b) A não-discriminação;
e) A igualdade de oportunidades;
f) A acessibilidade;
Artigo 4
Obrigações gerais
1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:
a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção;
b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;
e) Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada;
f) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes;
g) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível;
h) Propiciar informação acessível para as pessoas com deficiência a respeito de ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, incluindo novas tecnologias bem como outras formas de assistência, serviços de apoio e instalações;
Artigo 5
Igualdade e não-discriminação
3.A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida.
Artigo 9
Acessibilidade
1.A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:
b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência.
2.Os Estados Partes também tomarão medidas apropriadas para:
a) Desenvolver, promulgar e monitorar a implementação de normas e diretrizes mínimas para a acessibilidade das instalações e dos serviços abertos ao público ou de uso público;
b) Assegurar que as entidades privadas que oferecem instalações e serviços abertos ao público ou de uso público levem em consideração todos os aspectos relativos à acessibilidade para pessoas com deficiência;
c) Proporcionar, a todos os atores envolvidos, formação em relação às questões de acessibilidade com as quais as pessoas com deficiência se confrontam;
d) Dotar os edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso público de sinalização em braille e em formatos de fácil leitura e compreensão;
e) Oferecer formas de assistência humana ou animal e serviços de mediadores, incluindo guias, ledores e intérpretes profissionais da língua de sinais, para facilitar o acesso aos edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso público;
f) Promover outras formas apropriadas de assistência e apoio a pessoas com deficiência, a fim de assegurar a essas pessoas o acesso a informações;
g) Promover o acesso de pessoas com deficiência a novos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, inclusive à Internet;
h) Promover, desde a fase inicial, a concepção, o desenvolvimento, a produção e a disseminação de sistemas e tecnologias de informação e comunicação, a fim de que esses sistemas e tecnologias se tornem acessíveis a custo mínimo.
Artigo 30
Participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte
1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de participar na vida cultural, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e tomarão todas as medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência possam:
a) Ter acesso a bens culturais em formatos acessíveis;
b) Ter acesso a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais, em formatos acessíveis; e
c) Ter acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos culturais, tais como teatros, museus, cinemas, bibliotecas e serviços turísticos, bem como, tanto quanto possível, ter acesso a monumentos e locais de importância cultural nacional.
2.Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de desenvolver e utilizar seu potencial criativo, artístico e intelectual, não somente em benefício próprio, mas também para o enriquecimento da sociedade.
3.Os Estados Partes deverão tomar todas as providências, em conformidade com o direito internacional, para assegurar que a legislação de proteção dos direitos de propriedade intelectual não constitua barreira excessiva ou discriminatória ao acesso de pessoas com deficiência a bens culturais.
Remansoso e sólido, pois, é o conjunto de leis protetivas do direito à comunicação, à informação, de acesso à cultura, educação e ao lazer, que hoje dispõe a pessoa com deficiência. Todavia, igualmente remansosa é a negligência, o descaso e o não cumprimento de todos esses dispositivos legais em nosso país.
Por isso, a áudio-descrição, recurso assistivos (recurso de ajuda técnica) indispensável para autonomia, independência e empoderamento da pessoa humana com deficiência, ainda não é uma realidade na televisão brasileira, no cinema, nos museus, nas escolas e universidades. Menos o é na Suprema Corte deste vilipendiado Brasil de poucos e privilegiados.
Aspectos Formais
Segundo a Portaria nº 310, de 27 de junho de 2006, portaria do Ministério das Comunicações, que aprova a Norma nº 001/2006 - Recursos de acessibilidade, para pessoas com deficiência, na programação veiculada nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão, considera-se áudio-descrição:
3.3. Áudio-descrição: corresponde a uma locução, em língua portuguesa, sobreposta ao som original do programa, destinada a descrever imagens, sons, textos e demais informações que não poderiam ser percebidos ou compreendidos por pessoas com deficiência visual.
De acordo com a NOTA TÉCNICA Nº 21 / 2012 / MEC / SECADI /DPEE, de 10 de abril de 2012, a qual traz Orientações para descrição de imagem na geração de material digital acessível – Mecdaisy:
“A descrição de imagens é a tradução em palavras, a construção de retrato verbal de pessoas, paisagens, objetos, cenas e ambientes, sem expressar julgamento ou opiniões pessoais a respeito.”
Essa Nota Técnica não fala de áudio-descrição, muito embora tome emprestado o conceito base da áudio-descrição: A descrição de imagens é a tradução em palavras, sem expressar julgamento ou opiniões pessoais a respeito do que se está descrevendo, a saber, do que se está áudio-descrevendo, traduzindo em palavras.
Felizmente, essa Nota Técnica não pretendeu ser uma norma para a áudio-descrição de material didático. Da maneira que ensina a “descrever” nada mais ela faz do que expressar o conhecimento raso de quem a formulou ou orientou. Infelizmente, contudo, é ela que tem norteado muitos trabalhos que vão parar nas mãos de jovens estudantes com deficiência visual, os quais, continuam a padecer com a falta de acessibilidade: pior! neste caso, com a baixa qualidade dela, o que é o mesmo que não a ter, porém, com o peso de que recebeu a acessibilidade de auto custo, de grande investimento do Estado e que se não está aprendendo, não é falta de apoio técnico.
Com efeito, corrobora o fato de essa Nota Técnica não ser de áudio-descrição de imagens estáticas a indicação que tal Nota traz para o uso de nomenclatura fotográfica. Os exemplos de baixíssima qualidade citados na Nota destoam dos mais comezinhos conhecimentos de que se podem nutrir o áudio-descritor ou o estudante dessa área da tradução visual.
Assim, apenas vale citar essa Nota, para sugerir que se passe bem longe dela, visto que o pouco que tem de adequação tradutória é suplantado pelo muito que tem de impropriedade, no que tange ao empoderamento da pessoa com deficiência, conforme acima amplamente sustentado com a literatura pertinente ao nosso ordenamento jurídico: a acessibilidade, para que exista, precisa permitir o uso independente, seguro, com linguagem simples dos meios, suportes e sistemas de comunicação, o que não se alcançará com descrições com termos técnicos e em idioma estrangeiro, como sugere a Norma.
Precisa oportunizar a quebra de barreiras, os obstáculos comunicacionais oriundos das imagens inacessíveis, mas também das barreiras de atitude.
MAIS SOBRE ÁUDIO-DESCRIÇÃO
Segundo Lima e colaboradores em “Áudio-descrição no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa: um estudo morfológico”
(http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/...):
Diferente de uma descrição, a áudio-descrição, enquanto tradução visual, tem como objetivo primordial eliciar, na mente de quem ouve ou lê, as imagens eliciadas na mente de quem as pode ver. Neste sentido, a áudio-descrição serve a todos aqueles que, em algum momento, esteja privado da visão, ou por alguma razão não tenha acesso visual ao evento imagético, estático ou dinâmico.
Considerando que a tradução visual tem como objetivo o empoderamento do cliente deste serviço, não se a pode confundir com uma descrição falada, locucionada, descrição esta feita desde sempre na história humana, quando se quer comunicar algo que se viu ou vivenciou a alguém que não tomou parte do que foi visto ou vivenciado.
O ato tradutório da áudio-descrição, para além de seguir diretrizes específicas, técnicas consagradas ao empoderamento do cliente, encerra o entendimento de que na tradução visual o foco não é explicar ao cliente o que se está vendo, mas permitir a este ver aquilo que ele não pode enxergar.
Na áudio-descrição fílmica, por exemplo, não se descreverá tudo o que é mostrado, mas se traduzirá tudo o que é necessário para a compreensão do evento visual, dentro dos intervalos entre as falas, sem sobreposição da áudio-descrição sobre os diálogos e nem mesmo sobre certos sons (uma música, por exemplo) necessários à apreciação e/ou compreensão da obra.
Portanto, ao tratar de áudio-descrição, não se está falando de uma descrição despreocupada, linear ou genérica do que se vê, mas de uma tradução visual esteada na observação, no empoderamento do cliente, na pesquisa e no estudo semiótico da obra observada, no conhecimento a respeito do cliente da áudio-descrição, e sobretudo numa áudio-descrição isenta de barreiras atitudinais sobre o potencial da pessoa com deficiência, sua capacidade para compreender eventos visuais e, principalmente, com o espírito de que a pessoa com deficiência visual tem potencial cognitivo assim para construir as imagens a partir do que ouve, como compreendê-las no contexto em que forem empregadas (Lima, Lima, Seemann2012).”
Com o intuito de esclarecer a diferença entre descrição falada/narrada e o real sentido da áudio-descrição, vejamos o que Saveria Arma (2011) diz a respeito dessa confusão entre o que vem a ser áudio-descrição e narração.
Atentemos para a observação dela a respeito do empoderamento e as distinções técnicas que diferenciarão esses termos:
“Do ponto de vista terminológico, áudio-descrição recebeu uma variedade de nomes diferentes. De acordo com Hernandez e Mendiluce (2009: 162):
A-D recebeu uma variedade de denominações, tais como “video description”, “descriptive video service” (DVS), “audio captioning”, “descriptive narration” and “audio vision” (Navarrete 2003, Clark 2001). Além disso, a áudio- descrição, que é o termo mais utilizado entre os especialistas, é também muitas vezes referida como “narração em áudio". No entanto, vale ressaltar que há uma diferença marcante entre as palavras "áudio-descrição" e "narração em áudio", embora sejam muitas vezes utilizadas como sinônimos.
Como Pujol (2007) explica, a palavra " descrição" é muitas vezes usada em contraste com a palavra " narração ". De fato, a ação não representa uma característica crucial para a descrição, mas é da maior importância na narração (Pujol 2007).
Por esta razão, uma vez que a ação de áudio-descrever implica lidar não só com ações, a palavra " áudio-descrição" deve ser preferida a " narração em áudio ". Além disso, o objetivo final da áudio-descrição não é contar uma história, mas mostrar e descrevê-la, isto é, ajudar a visualizar os elementos relevantes para a compreensão do enredo (definição, figurinos, gestos, aparência, movimentos e demais elementos relacionados). (...)
O ato de narrar também implica tomar um ponto de vista a partir do qual a história é revelada. No entanto, o ato de áudio-descrever deve ser o mais objetivo possível, isto é deve-se rejeitar tomar partido nos eventos, mas encontrar as palavras certas para permitir que o usuário final possa imaginá-los. (...)
Finalmente, a partir de um ponto de vista mais linguístico, enquanto a narração, muitas vezes usa tanto de primeira e terceira pessoa para contar uma história e inclui vários modos e tempos verbais, a áudio-descrição quase sempre usa a terceira pessoa e o tempo presente." (Saveria Arma (2011)
Como se pode ver, áudio-descrição é a tradução visual de eventos em palavras, a locução dela é um ato decorrente da tradução visual, a qual pode ser expressa, não só em palavras oralizadas, mas também escritas, assim em Braille como em tinta ou eletronicamente, no computador etc. Áudio-descritor é o profissional que traduz, que áudio-descreve os eventos visuais em palavras, sejam esses eventos visuais dinâmicos ou estáticos. A descrição de uma imagem, portanto, será uma áudio-descrição se o intuito do “descritor” for o de empoderar o indivíduo com deficiência na visualização da imagem, isto é, na construção da imagem traduzida por meio das palavras e que ele, pessoa com deficiência, agora vê com o “olho da mente”, como diz Joel Snyder (2013).
Posto isso, podemos, agora, finalizar nosso texto, apontando a razão formal de respeitarmos a grafia formal da Língua Portuguesa, consoante o que manda o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Para isso, citamos Seemann e colaboradores:
Áudio, em áudio-descrição, ao contrário do que se pode acreditar, não é um prefixo, mas um radical latino, com significação própria, por isso o vocábulo áudio-descrição deve ser grafado com hífen. Logo, tem-se que o processo de formação de áudio-descrição deu-se de item lexical (áudio- substantivo) + item lexical (descrição – substantivo).
Em outras palavras, há quem pense que áudio em áudio-descrição é como audiovisual, audiofone, portanto um léxico formado por derivação, o que não é.
Fosse a formação da palavra áudio-descrição feita por derivação, o morfema áudio, em áudio-descrição, deveria ser obrigatoriamente um prefixo, o que no caso em discussão não é, posto que áudio não meramente modifica descrição, mas compõe com esta um novo conceito, o de tradução visual.
A esse respeito já dizia Tavares et al (2010):
é relevante esclarecer que as dúvidas quanto à escrita adequada de áudio-descrição surgem em razão da interpretação das regras que orientam a ortografia de vocábulos como audiovisual, audiofone, audiograma, audiometria etc as quais, de acordo com o Scarton e Smith (2002) e Rios (2009), são constituídas pelo prefixo latino áudio (lat audio), sendo nestes casos desnecessário o uso do hífen, pois este prefixo é um morfema que se coloca antes dos radicais (parte fixa, invariável da palavra) basicamente a fim de modificar-lhes o sentido e raramente produz mudanças na classe gramatical da palavra primitiva. (p.4)
Como se vê, para que o termo áudio fosse um prefixo em áudio-descrição, ter-se-ia de pensar que áudio-descrição seria uma mera descrição sonorizada, ou quem sabe uma descrição do som.
Ora áudio-descrição não é nem uma coisa, nem outra. Áudio-descrição é um gênero tradutório, não lingual, cujas diretrizes principais são:
• descreva o que você vê;
• descreva de modo claro, conciso, correto, específico e vívido;
• descreva com o registro linguístico e locução, quando aplicável, condizentes/determinados pela obra;
• e, acima de tudo, descreva com o fim de empoderar a pessoa com deficiência na tomada de decisão, na apreciação, autônoma ou mesmo assistida, de uma dada obra. (Lima e Lima, 2012)
4- Áudio-descrição à luz do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Mas, como fica então a grafia da palavra áudio-descrição, segundo as novas regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa?
Como grafar corretamente o significante que acompanha o conceito “tradução visual de um elemento ou elementos visuais em palavras”?
Segundo o Decreto Nº. 6.583/2008, que promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa:
Base XV
Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares
1º) Emprega -se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar -se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arce-bispo, arco-íris, decreto -lei, és -sueste, médico-cirurgião, rainha -cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, afro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva.
Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.
[...]
Base XVI
Do hífen nas formações por prefixação, recomposição e sufixação
1º) Nas formações com prefi xos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-, super-, supra-, ultra-, etc.) e em formações por recomposição, isto é, com elementos não autónomos ou falsos prefixos, de origem grega e latina (tais como: aero-, agro-, arqui-, auto-, bio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-, maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pan-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-, tele-, etc.), só se emprega o hífen nos seguintes casos: [...] (disponível em: http://www.academia.org.br/abl/media/O%20Acordo%20Ortogr%C3%A1fico%20da%... ; acesso em 08.11.2012):
Vê-se que o Acordo afirma que se emprega hífen nas palavras que constituem uma “unidade semântica e mantêm o acento próprio”. Ora, áudio-descrição é formada por dois substantivos que não perderam a unidade semântica anterior, e que, na composição do conceito conhecido como tradução visual de eventos visuais, adquirem uma semântica própria e, a propósito, mantém o acento em áudio. Quando se compara as palavras áudio-descrição com paraquedas, percebe-se que a primeira mantém a significação da justaposição áudio + descrição, designando semântica própria para o termo, e não é nem áudio nem descrição, diferente de paraquedas, que designa um objeto com o fim de “parar quedas”.
Embora o Acordo não traga nenhum exemplo com “audio” (sem acento) ou “áudio” (com acento), são vários os autores que citam “audio-” (sem acento) como sendo um prefixo da Língua Portuguesa e o exemplificam com, entre outras, a palavra “audiovisual” :
Pelo que determina a Base XVI, se se considera que toda e qualquer palavra iniciada por “audio” (sem acento) tenha este como prefixo, o não uso de hífen em “audiodescrição” estaria em acordo com a gramática normativa da Língua Portuguesa.
No entanto, é o substantivo “áudio” (com acento), e não o prefixo “audio-” (sem acento), que está presente em áudio-descrição, uma vez que “áudio” (prefixo), apenas modificaria o radical, como por exemplo em audiolivro (livro em áudio), audiograma (curva característica da sensibilidade do ouvido aos diversos sons), termos que não são especializações distintas dos léxicos que as compõem, mesmo caso de audiovisual, discutido mais adiante.
Em Gramática On-Line , do Professor Dilson Catarino, discute-se o uso de hífen após prefixos ou falsos prefixos, segundo o novo Acordo Ortográfico: “prefixos ou falsos prefixos são elementos que não existem isoladamente como palavra da Língua Portuguesa”. No Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (FERREIRA, 2009, p. 228), por exemplo, é encontrado “audi(o)-” (um prefixo) e “áudio” (um substantivo).
Assim, “audio” (prefixo) e “áudio” (substantivo) têm grafias diferentes porque têm significados diferentes; e, consequentemente, seguem regras ortográficas diferentes: significante e significado indissociáveis na composição do signo linguístico.
Dessa forma, a Base XVI, que regula o uso do hífen nas formações por prefixação, recomposição e sufixação, não serve de parâmetro para se justificar a eliminação do hífen em áudio-descrição, pois esta palavra se forma pela composição por justaposição.
Por outro lado, a Base XV, que observa que os compostos, em que se perdeu a noção de composição, grafam-se aglutinadamente (girassol, madressilva, mandachuva, pontapé), também não serve para justificar a exclusão do hífen em áudio-descrição, visto que diferente de mandachuva (pessoa importante), termo que claramente perdeu a noção de composição e nada mais tem que ver com mandar e chuva, ou mandar na chuva, áudio-descrição, além de compor um novo léxico, é, sabidamente, vocábulo de construção recente e conceituação específica, portanto não se pode falar que perdeu a noção de composição.
Sites Visitados
LEI No 10.098, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L10098.htm#art17
DECRETO Nº 5.296 DE 2 DE DEZEMBRO DE 2004:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm
DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm
LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
Portaria nº 310, de 27 de junho de 2006
http://www.mc.gov.br/portarias/24680-portaria-n-310-de-27-de-junho-de-2006
NOTA TÉCNICA Nº 21 / 2012 / MEC / SECADI /DPEE
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&g...
Revista Brasileira de Tradução Visual
www.rbtv.associadosdainclusao.com.br
O direito dos deficientes visuais à audiodescrição -
http://periodicos.uesb.br/index.php/cadernosdeciencias/article/view/1728...